Fotografia: Gabriel Bazt

As cidades mais vivas do mundo têm algo em comum: foram planejadas para as pessoas. Essa é a essência do que defende o urbanista dinamarquês Jan Gehl, que há décadas reforça a importância de ruas, calçadas e praças em escala humana, que convidam ao convívio, à mobilidade ativa e à vida entre edifícios. Afinal, quando os espaços públicos priorizam a experiência humana, eles se tornam mais seguros, saudáveis e acolhedores, criando um senso coletivo de pertencimento.

Mas podemos ir além, planejando cidades também para as crianças. Porque olhar para uma cidade a partir delas é olhar para o futuro, para o senso de comunidade e para o bem-estar coletivo. Até porque, se um espaço é seguro, acessível e estimulante para uma criança, ele também será melhor para idosos, famílias e toda a comunidade.

Essa é a base do conceito de cidades para crianças, que nos convida a repensar ruas, praças, equipamentos urbanos e até mesmo os processos de planejamento urbano.

UNICEF e a Iniciativa Cidades Amigas das Crianças

A Iniciativa Cidades Amigas das Crianças (Child Friendly Cities Initiative), promovida pelo UNICEF, tem como missão apoiar cidades na criação de ambientes urbanos mais seguros, inclusivos e adequados para crianças e adolescentes.

O objetivo é garantir que cada criança cresça em um espaço que ofereça oportunidades de brincar, aprender e se desenvolver com liberdade, a partir de uma abordagem prática que coloca a infância no centro do planejamento urbano.

Rotas para cidades infantis

Um dos grandes defensores da ideia é o britânico Tim Gill, pesquisador, escritor e consultor, reconhecido por seu trabalho como defensor global do brincar e mobilidade infantil ao ar livre.

Em 2021, Gill publicou o relatório Parques infantis urbanos: construindo as cidades do futuro para as crianças, no qual propõe que cidades mais amigáveis para a infância criam também comunidades mais saudáveis.

Suas “rotas infantis” destacam como os deslocamentos diários das crianças, da casa para a escola, do bairro para a praça, devem ser pensados como parte essencial do desenho urbano.

Planejamento urbano orientado à infância

Outro exemplo vem da iniciativa Urban95: Criando cidades para os mais jovens, criada pela Fundação Bernard van Leer. A proposta aos parceiros é simples: “Se você pudesse enxergar a cidade da altura de 95 cm, a estatura média de uma criança de três anos, o que faria de diferente?”

Esse olhar traz três pontos centrais:

– Atenção às crianças pequenas (de 0 a 5 anos) e seus cuidadores, um grupo muitas vezes ignorado em políticas urbanas;

– Ação em escala municipal, incorporando a infância ao planejamento urbano, gestão baseada em dados e investimentos visíveis;

– Foco no espaço público e na mobilidade, áreas que influenciam diretamente no desenvolvimento infantil, mas que costumam receber menos atenção do que saúde, educação ou habitação.

Mais do que infraestrutura, trata-se de criar um ecossistema urbano que apoia o desenvolvimento infantil e incentiva a convivência entre gerações.

Cidade das Águas: quando o conceito vira realidade

Em Joinville, a Cidade das Águas traz essa visão no seu desenvolvimento urbano. O projeto entende que uma cidade boa para crianças é uma cidade boa para todos. Por isso, investe em:

– Playground integrado à praça central, criando um espaço de convivência que conecta famílias.

– Eventos culturais e educativos voltados ao público infantil, como mostras de cinema ao ar livre, oficinas e apresentações.

– Escola próxima à área residencial, o Colégio Bonja, fortalecendo o senso de comunidade e reduzindo deslocamentos longos.

Essas iniciativas reforçam a ideia de que a infância não deve ser tratada como detalhe no planejamento urbano, mas como eixo fundamental da cidade.

Planejar cidades para crianças é investir em saúde, segurança e pertencimento. É transformar ruas em espaços de convivência, praças em lugares de encontro e bairros em comunidades ativas. A experiência de projetos como a Cidade das Águas mostra que isso não é apenas teoria: é possível, sim, criar cidades mais humanas, inclusivas e criativas quando olhamos o mundo a partir da altura das crianças.

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